Em Santa Maria, artistas mostram a diversidade das vozes e dos talentos da Cidade Cultura

Leandra Cruber

Em Santa Maria, artistas mostram a diversidade das vozes e dos talentos da Cidade Cultura

Leandro

Fotos: Nathália Schneider

A história da música, tanto nacional quanto internacional, nos mostra que artistas LGBTQIA+ marcaram vidas e momentos. Em 1970, junto ao grupo Secos e Molhados, por exemplo, Ney Matogrosso pintava o rosto e o corpo e performava sem se preocupar com os olhares conservadores da época. Nos Estados Unidos, cantores como Freddie Mercury e Elton John precisaram enfrentar algumas polêmicas para poder viver plenamente e se expressar através da música.

No Brasil dos anos 1980, a cena musical não seria a mesma sem a genialidade de artistas como Cazuza e Renato Russo, dois ícones do rock que cativam as gerações desde então.

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Se atualmente, mesmo com a homofobia sendo considerada crime, a livre expressão da sexualidade de artistas é um assunto que gera comentários preconceituosos, imagina no passado? Homens e mulheres da arte precisaram ser seguros de si e dos seus talentos para romper as barreiras do preconceito. Quando falamos em mulheres, felizmente, cantoras como Zélia Duncan, Cássia Eller e Mart’nália foram alguns exemplos de talento e livre expressão, que driblaram os obstáculos e inspiram milhares de pessoas LGBTQIA+ a acreditar na arte.

Além do cenário internacional e nacional, Santa Maria tem uma cena de música autoral compostas por artistas de diferentes, idades, orientações sexuais, cores e credos que mostra o talento e a diversidade do Coração do Rio Grande.

Neste final de semana, a Revista MIX conversou com artistas LGTBQIA+ de Santa Maria que, além de serem vozes da diversidade, também representam a busca por espaços e oportunidades nos palcos santa-marienses.

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A seguir, Flaviane Costa, Gabro Demais, Jan Pedro, Pablo Kempz e Tom Pessoa falam sobre música, inspirações artísticas, representatividade e sonhos para o futuro.

O sertanejo de Flaviane Costa

Quando criança, Flaviane Costa dizia para os pais e avós que queria ser cantora. E, desde 2020, começou a correr atrás do sonho. Acompanhada por um violão e uma voz potente, a cantora e compositora diz que a música sempre esteve presente na vida dela:

– A arte em geral me fascina muito, mas cantar é algo que nem sei explicar a sensação, simplesmente maravilhoso sentir o público e ver que as pessoas estão gostando do teu trabalho, é demais!

Nos shows, Flaviane exibe a potência vocal com canções sertanejas, assim, tem como inspiração a saudosa Marília Mendonça e a dupla Maiara e Maraísa. E artistas internacionais também estão na lista das referências da cantora. O rock dos Beatles e o pop de Harry Styles a influenciam.

E, apesar de enxergar novas oportunidades profissionais na música para as pessoas LGBTQIA+, Flaviane sente que, em Santa Maria, existem algumas ausências nos palcos:

– Acredito que as coisas vêm evoluindo bastante, mas sinto um pouco de falta de representatividade. É algo que procuro aprender a lidar e seguir em frente sempre. Procuro lutar pelo meu espaço e dar o melhor de mim.

Há um mês, ela lançou Inocente, canção autoral que está disponível nas principais plataformas digitais. E, de acordo com a cantora, que já trabalha nas próximas composições, para termos e ouvirmos vozes cada vez mais diversas e representativas, é preciso lutar.Para ela, acreditar em si, insistir e persistir são ações que costumam ajudar nos momentos de insegurança:

– Lutem pelo que vocês acreditam e amam fazer, sigam seus sonhos e acreditem em si mesmos porque somos maiores do que qualquer pequeno desafio que querem impor, seja orientação sexual, corpos, etnia e tantos outros padrões que acabamos por nos acostumar.

O ritmo do funk de Jan Pedro

O funkeiro Jan Pedro escolheu Santa Maria para viver e expressar livremente os sentimentos que tem transformado em música. Inspirado pela cantora Anitta e pelo rapper Lil Nas X, Jan não se preocupa quando a música que lança gera incômodo em algumas pessoas:

– Eu gosto quando 50% das pessoas amam e 50% se incomoda de alguma forma, isso gera debates e construções. E, claro, significa também que estamos sendo vistos e que a mensagem que está nas músicos que lanço estão sendo ouvidas.

O artista reconhece que, atualmente, o cenário musical LGBTQIA+ é mais visto e tem grandes nomes como referência. Mas, ainda sente falta de equidade de espaços.

– Devemos ser mostrados e termos nossos nomes em qualquer época do ano e não apenas em junho, que é um mês voltado e dado à visibilidade da comunidade LGBTQIA+.

Para ajudar a mudar essa realidade, Jan trabalha em um projeto cultural voltado para a visibilidade diária de artistas LGBTQIA+. E ele não tem pressa, já que acredita que a mudança é possível, mas a passos bem lentos.

– Eu diria, com toda a certeza, que será muito difícil, muito inseguro, muito sofrido mas também será libertador e mágico. Vai ser o momento de se sentir você mesmo, e entender que você tem voz e que merece ser ouvido por quem você é, e não viver segurando uma máscara que nos dão desde quando nascemos. Tirar essa máscara e mágico, emocionante e libera nossa alma – ressalta.

Em breve, o funkeiro vai divulgar o lançamento de uma música produzida em São Paulo. Em julho, ele estará no palco da Feira Estadual de Comércio da Batata-Doce, a Fecobat, uma das festas mais tradicionais da Região Centro-Oeste do Estado.

A psicodélia de Gabro Demais

O cantor e compositor Gabro Demais vive o rock na atitude, mas também se deixa levar pelo pop e Rhythm and blues, mais conhecido como R&B. Além da carreira solo, o artista faz parte do grupo Cheeba Cheeba, que sobe aos palcos para encantar com o rock psicodélico.

Quando compõe e canta, Gabro diz que se sente especial e agradece por conseguir se expressar com a música. E a música do artista fala muito sobre as referências que possui:

– Venho dos adolescentes rockeiros fãs de bandas emo dos anos 2000. Misture isso com as composições e visuais das divas pop e r&b, dá eu. Mas, Lady Gaga é minha rainha, Erykah Badu minha grande inspiração de vibe e sonoridade. Cazuza, Angela Rô Rô, Amy Winehouse, grandes compositores. David Bowie é o pai da versatilidade… Radiohead, My Chemical Romance, Deftones, minhas bandas preferidas… Pabllo Vittar, Gloria Groove, Ludmilla, Urias, Anitta, artistas LGBTQIA+ que são fortes, que estão no top do Brasil também me inspiram.

Além das personalidades que fizeram história no mundo da música, Gabro também se inspira nos amigos artistas que persistem e buscam construir uma cena artística santa-mariense de referência. E ressalta que, para a cena de fato se consolidar, desafios ainda precisam ser enfrentandos.

– Quando olho para o regional, por exemplo, vejo que grande parte dos artistas que conheço e me relaciono são de dentro da sigla. Mas não são eles que estão tocando na rádio, a maioria está inserido no cenário, mas ainda não chega em todos os cantos do regional com força o bastante, quem dirá nacional. Quero ver alguém como eu subir, ter uma mudança de vida pela música, isso me faria sentir muito representado – explica.

E, além de Punk Rock Romantic, projeto multiartístico de Gabro que está em andamento desde o ano passado, novos trabalhos estão prestes a serem lançados.

A voz e a dança de Pablo Kempz

Apaixonado pela arte, Pablo Kempz é formado em Dança e já participou de inúmeros espetáculos como o musical Chicago, apresentado em 2019 no Centro de Convenções da UFSM. Há três anos, ele comanda as noites de karaokê que ocorrem em Santa Maria e, recentemente, se dedicou totalmente à música, com o lançamento de A Boneca Joga, canção da qual foi compositor e vocalista ao lado de KEVYNN MC.

No processo de criação, Pablo se inspira em artistas nacionais e internacionais que representam a comunidade LGBTQIA+.

– O ato de criar em dança, música ou mesmo alguma concepção de espetáculo me deixa eufórico, mas somente me sinto completo ao ver a obra finalizada. Como inspiração, tenho os artistas brasileiros WD, Liniker, Pablo Vittar, Johnny Hooker, Priscila Alcântara, Ludmila, Iza e Anitta. Assim como as artistas norte-americanas Jaden Smith, Beyoncé e Lady Gaga.

E, apesar de sentir representado por artistas reconhecidas mundialmente, Pablo sente que ainda existe uma desvalorização dos artistas LGBTQIA+, assim como deficiência de espaços para poderem, de fato, expressar a sua arte.

Para o futuro, o artista já tem música nova prevista para ser lançada em setembro deste ano. A canção Naquele Barzinho também ganhará videoclipe. E o desejo de Pablo é que a arte que ele produz alcance todos os cantos de Santa Maria, independentemente do público:

– Muitos são os obstáculos que nós, tidos como “minorias”, enfrentamos, mas acredito que nosso papel é o de sermos protagonistas de nossas próprias histórias e comunicarmos ao mundo nossas formas de ser e de existir. Do que depender de mim, quero colorir e enegrecer todos os espaços possíveis, e, onde não existirem, criá-los.

Rock e natureza com Tom Pessoa

Quando está no palco, seja qual for a dimensão, o cantor e compositor Tom Pessoa se sente livre, verdadeiro e empoderado.Inspirado por artistas como Freddie Marcury e Ney Matogrosso, duas grandes referências no rock mundial que na década de 1970 viviam a arte como expressão da sexualidade, Tom também busca valorizar artistas LGBTQIA+ do atual cenário musical, como Majur e Lazúli, cantoras brasileiras.

– Atualmente, há tanta gente linda que pegou o bastão dessa galera mais antiga e que está fazendo jus ao legado de transgressão, com atitude Rock n Roll e postura política na música – comenta.

E, mesmo que o cenário musical brasileiro seja mais diverso há alguns anos, por exemplo, Tom ainda se sente sozinho no estilo musical que produz. Adepto ao rock consciencial, gênero que mantém a vibração musical do rock com influência de sustentabilidade e outras problemáticas relacionadas à natureza:

– Não está fácil ser o artista-gay-ayahuasqueiro-umbandista-autoral fazendo rock consciencial pela evolução da humanidade no momento. Mas por outro lado, sinto-me original e único. Acredito que trago um diferencial que nenhum outro artista LGBTQIA+ jamais trouxe.

Outro desafio diário enfrentado por artistas santa-marienses é o pouco espaço para a música autoral. De acordo com Tom, que há quatro meses lançou Revalorizonte, álbum que o artista brinca com sincretismo, do católico ao tribal, a consequência é um vazio cultural.

– O que eu vejo é bastante espaço para fazer cover em voz e violão nos bares e pubs da cidade. Mas sinceramente, isso é um redundante mais do mesmo. Santa Maria despreza o autoral. Não há uma cena e a galera está só numa luta pela sobrevivência mesmo – lamenta.

Para o futuro, o artista diz que existem produções em fase de gestação, mas, neste momento, usa os dias para se repensar e procurar entender como e porque deve seguir:

– O tempo dirá o que o futuro me reserva. Parado eu não fico – resume Tom.

Representatividade em mais vozes

Em Santa Maria, outros artistas como Ninas Lima, Nandi, MC West Mika, MC Nazo, MC Leti e Justina Monteiro também usam a música como uma ferramenta contra o preconceito, seja ele em razão da orientação sexual, cor, classe ou corpo.

As vozes, aliada às batidas do rock, funk, trap, sertanejo ou MPB, ecoam pelo Coração do Rio Grande e inspiram outras pessoas que querem viver a música. Para a cantora Ninas Lima, alcançar diferentes públicos é um dos maiores potenciais da arte:

– É incrível quando a nossa voz toca, de alguma forma, as pessoas tomadas pelo preconceito. Por isso, quero que o poder da voz, a magia da criação e a sutileza da sensibilidade leve o que for necessário no contexto de cada ser que conseguir tocar; que alcance os ouvidos já aguçados e os que ainda precisam ouvir.

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Além disso, para serem reconhecidos como artistas, Flaviane, Gabro, Jan, Pablo e Tom, assim como Ninas Lima, Nandi, MC West Mika, MC Nazo, MC Leti e Justina Monteiro, precisaram enfrentar as inseguranças pessoais e o medo – não do palco, e sim do público. Segundo Tom Pessoa, foi preciso abandonar o medo para conseguir se expressar verdadeiramente através da música:

– Eu diria que o medo é uma grande perda de tempo e que para trilhar uma jornada pessoal de verdadeira superação é preciso saber meter o pé na porta, aceitar-se, acolher-se e amar-se seja como for. Porque como diria Ru Paul “Se você não ama a si mesmo, como diabos poderá amar outra pessoa?”

Hoje, depois de enfrentar os demônios pessoais e terem certeza do próprio talento, artistas LGBTQIA+ enfrentam, ainda, a falta de oportunidades e de valorização na Cidade Cultura. Para Ninas, os espaços hoje oferecidos não são proporcionais à diversidade de artistas:

– Apesar da diversidade, ainda sinto falta de espaço para que possamos ter mais encontros, trocas… representar e compartilhar o que é nosso, entre artistas de diferentes vertentes. Agora, sobre os palcos, vejo ainda desafio para quem já toca profissionalmente há algum tempo, quem dirá quem está iniciando. Fica evidente o conflito de visão da parte comercial versus artística. É comum existir receio de dar espaço para novas artistas por supor desagradar o público.

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Apesar dos desafios, artistas de Santa Maria conquistam, diariamente, novos espaços e se tornam referência para a cultura da Região Central do Rio Grande do Sul.

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